A poesia é um rio que corre em mim, sempre em busca de suas nascentes.

A bananeira


 
A vida é como uma saliente e robusta bananeira
de cinco metros de altura.
Os melhores frutos estão no topo.
Onde um simples equilíbrio na ponta dos dedos
não pode alcançá-los.
Por mais cansativo e doloroso que seja,
por mais trabalhoso e merecedor que pareça.
É preciso mais, muito mais que isso, para saboreá-los.
 
É impossível tê-los sem derrubar o tronco.
É imprescindível abacás, para suportar,
a escalada em seu corpo... em seu talo
escamoso, suculento, falso e escorregadio.
 
 Costure-se nas bainhas das folhas da bananeira.
Para saber a sua própria origem e desvendar o que há nela.
Terá que descobrir suas verdades e ausências;
terá que cavar, serrar e beber do seu subterrâneo.
Uma imersão na terra do desespero e do conhecimento,
para amadurecer os frutos... sem o uso de carbureto.
 
Seu verdadeiro caule está dentro de você.
Onde suas mãos não chegarão, nem seus olhos verão,
se não cortar o pseudocaule, se não cortar a superficialidade,
não gozará do fruto e ele apodrecerá.
Cairá peco ou servirá de alimento para insetos e pássaros.
 
Irá padecer e feder,
afetando todo o caule
e tudo ao seu redor.
 
Derrube o tronco, amorteça os frutos,
aprecie sua estrutura e os consuma
nas diversas formas:
compota, farinha, doce, geleia, creme, licor, etc.
Seja nanica, maça, prata, d’água, terra, etc.
É o seu fruto!
Que foi pedido, dado, cultivado e, se merecido, obtido.
Corte o caule, o falso caule: pseudocaule.
Para aproveitar e permitir novos frutos nascerem.
 
*Foto do site casadaciencia.com.br
 
* Ideia da arte: InFeto / Feitura: Guga

* Foto de autor desconhecido / Google

* Foto de autor desconhecido / Google

Vou deixar de ser maluco



Cansei de ser maluco; para mim basta!
Essa minha maluquice não me levou a nada.
Não vou mais gastar dinheiro com vinil e livros.
Nem tomar pílulas com chá para me acalmar.
Vou parar de usar camisas desbotadas, amarrotadas e rasgadas.
Vou vender minha guitarra e comprar um MP3 player.
Vou parar de entender o abstrato e desconstruir o concreto.
Vou parar de interpretar a vida e abandonar os sinais.
Farei as pazes com o seu Deus, mas sem intimidades.
Vou comprar uma cama e deixar de dormir na rede.
Não vou mais dançar nu, quando escutar Novos Baianos.
Nem dançar valsa bêbado, escutando West, Bruce & Laing.
Vou cortar o cabelo, tirar os piercings e encerrar as tatuagens.
Vou usar camisa de botão, loção pós-barba e beber socialmente.
Vou deixar de ser maluco; para ter uma nova alucinação.
 

$em depósitos - atual do inicio ao fim...

 
*Um poema antigo, feito para uma situação antiga que é muito mais antiga e sempre futura e atual!
 
 
$em depósitos
 
Não precisamos mais de roupas.
Não precisamos mais de comida.
Não precisamos mais de água.
Não precisamos mais de mantimentos.
Só precisamos de seus $entimento$. 
 
Os depósitos estão lotados, já não cabe mais nada.
Já no banco! sempre há espaço e cabe mais uns trocados.
Não mandem mais nada aos nossos depósitos.
Não temos mais espaço para caridades.
Mas apenas, por caridade: façam depó$ito$.
 
Não precisamos de mais itens de higiene.
Não precisamos de mais colchões.
Não precisamos de mais cobertores.
Não precisamos de mais remédios.
Só precisamos de seus $entimento$.
 

Tudo em dia - Missões impostas pela vida


Hoje eu acordei com o despertador. Não reclamei muito, murmurei menos que o normal, condenei o amanhecer, preparei café preto e fresco com sanduiche de queijo em pão de milho com paté de alho, pão de queijo mineiro e pamonha de carimã. Na minha cabeça me veio essa música. A todo tempo, a necessidade de cumprir as missões que o manual da vida nos impõe, a necessidade de ter "Tudo em dia" com os dias e com a alma. Obrigado Arnaldo Antunes por escrever isso e ao Titãs por executa-la numa canção perfeita e ainda “roquística”.


Vou comprar uma casa, vou ganhar dinheiro
Vou pensar no futuro, vou fazer um seguro
Vou ganhar o pão nosso de cada dia
Vou por tudo o que tenho na garantia
Vou ter conta no banco, vou trabalhar no escritório
Vou tomar um chope, vou tomar sorvete
Vou tomar remédio, que maravilha
Vou casar e constituir família
Vou andar de Uber, vou deixar o troco
Vou pagar os impostos, vou por os filhos na escola
Vou ser respeitado, vou engraxar o sapato
Vou botar o chinelo, vou sentar na poltrona
Vou jantar na melhor churrascaria
Vou pedalar domingo na ciclovia
Vou ter conta na mercearia
Vou gozar a aposentadoria
Vou ter CIC, eleitor, reservistas, RG
Automóvel, TV,  crediário, poupança, carnê
Tudo em dia, tudo em dia!

Que a terra lhe seja leve...


Criaram mil teorias 
para quem só queria 
suportar o dia-a-dia. 


* Foto do filme Andarei como um cavalo doido

Poema de rua

Viver na cidade
Viver a cidade
Ver a veracidade
Em qualquer era
Em qualquer idade

Entre nós - à Leonor Jaqueira



Uma hipnose me abraçou na sala do cinema
quando vi aquela mulher tão enérgica e tenaz
Entremeada à loucura temática do filme
Ela — a loucura — parecia não trajá-la
Ela — a mulher — apresentou-se segura em si
e de tudo a sua volta que a aprisionava
Em seus olhos, as verdades que a vida lhe impôs
Em seu sorriso, as esperanças que lhe restava
Em seus cabelos negros, a maciez que merecia da vida
Eu pensei: "Porra, eu quero tomar um porre e ler poesias com esta mulher"
Sua voz rouca, a delicadeza dos traços, a beleza delgada e robusta
A percepção do perseguidor invisível
A recepção do telegrama do desequilibrio
A consciência de que tudo pode estar perdido
Onde se perdeu Leonor? Onde se achou?
Que loucura a elucubrou e a levou?
Que loucura desvendou a sua sanidade?
A loucura da intensidade pela vida?
A loucura que a sociedade não cogita?
Quais realidades suas a seguravam entre nós?
Qual dos devaneios atirou em sua alma
e a tirou dentre nós para mantê-la sobre nós?
Que a brisa que esvoaçou seus negros cabelos
pela derradeira vez a tenha levado como pluma
a um refúgio no Sol, onde o chumbo da vida não pesa mais.
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Panfletos poéticos
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