A poesia é um rio que corre em mim, sempre em busca de suas nascentes.

Que algo mude dentro de você


Então... é Natal!








Título: O massacre das nozes pelo leão ou O roteiro do Natal
Autor: InFeto

Arcabouçado pelo espírito natalino,
sinto-me, novamente, o velho e cansado
cavalo deste caboclo católico gastronômico,
que nunca muda o cardápio em suas oferendas eclesiásticas.

A mãe nervosa com os últimos preparativos;
um esqueleto de vegetal plástico, fedendo
por conta do vinagre usado para retirar o mofo;
crianças felizes; adolescentes emburrados; adultos famintos.
Todos “encaboclados” no terreiro do nada feliz.

Ofereço ajuda para ser útil, mesmo,
e para fugir da sedução do parapeito do terraço.
Distribuo sorrisos, refaço laços, arrumo bandejas,
gelo a cerveja, fotografo o presépio e as presepadas.
A lareira vinda da TV ligada faz tudo ficar mais desgraçado.
Eu rezo a Deus, Satan, Lemmy Kilmister, Kurt Cobain,
Chuck Berry, São Nicolau, Papai Noel, a Puta que pariu,
para que, no rádio, também ligado, não toque Simone.

O roteiro continua sem que nada seja mudado:
“Em que diabos se meteu o cravo?”
“Você comprou por quanto este queijo cuia?”
“Peru ou tender?” — me perguntam.
“Suicídio!” — degluto com a farofa de passas e castanhas.

Sento-me num canto com uma lata de sequilhos entre as pernas.
Longe, onde pisca-pisca algum possa me denunciar.
Observo a cena da santa ceia dos cordeiros de Deus,
dependurados nos ganchos mortuários do mostruário frigorífico
morno, reluzente, afagável e pagão — do cristianismo.

Tenho nas mãos poemas selecionados para a ocasião.
Um de Myriam Fraga não me chama a atenção,
mas... eu empaco nele... por que será?! Por não me dizer nada?!
Eu leio e releio e entendo, apenas, como uma ilustração natalina,
como a dos tecidos — de camas, panos de prato e toalhas de mesa.
Mas, de repente, a luz branca do topo da árvore se acende.

Alguns batem palmas, outros sorriem, uns nem ligam.
Eu prendo a lata de sequilhos entre os joelhos
e observo novamente a cena da ceia, agora, mais iluminada
...e tudo esta lá... absolutamente tudo!
Idosos cochilando; o papa lavando pés; crianças sonolentas;
bêbados bebendo; gordos em busca do chá de boldo;
a anfitriã cansada; lixo retirado; ceia embalada; o ato consumado.

O leão do poema da Myriam Fraga surge.
Adornado de luz negra, juba branca, laçarote e gorro vermelhos.
Ele ruge um grotesco "How, how, how!".
Ergue sua pata descomunal e esmaga a todos nós.
Nós: as nozes! Tão seguros dentro de nossas cascas
e participantes imprescindíveis das ilustrações natalinas.


* Foto:  Jean-Francois Monier
* Poema dedicado à Myriam Fraga